terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Seu Júlio, o Congo e o Terno de Moçambique - Perdões(Minas Gerais)

foto: Jonas Banhos(facebook)

Seu Júlio, com o uniforme todo branco do Congo, recebia as pessoas em seu alojamento, no primeiro dia do Encontro de Culturas. Homem de tradição, representa a terceira geração do “Terno de Moçambique”, festa religiosa que se originou com seu avô a cerca de 180 anos atrás, na mesma região da cidade de Perdões, em Minas Gerais.

Encontro de Culturas Tradicionais - Goiás
foto: Jonas Banhos
O avô de Seu Júlio, comprador de escravos – segundo ele conta – certa vez levou a Minas um “comboio de escravos” onde havia um negro chamado Timóteo, que portava um bastão. Certo dia, andando perto da senzala, ouviu uma cantoria sob uma árvore onde dois negros estavam cantando em dueto. Ao verem o patrão, fugiram rapidamente, não entendendo que ele estava a apreciar a cantoria. Numa nova oportunidade, foi chegando de mansinho até dizer a eles que gostava daquilo e queria participar.  A partir desse episódio, estavam iniciados os trabalhos do Congo, que o avô de Seu Júlio executou até os cento e catorze anos.  Nos olhos de Seu Júlio e em suas palavras, vê-se a lembrança da discriminação que seu avô, e mesmo seu pai sofreram para continuarem os ensaios, até instituírem o primeiro Cruzeiro, e firmarem suas homenagens a Nossa Senhora do Rosário.  Conta a história de Seu Júlio, que seu avô casou-se com uma índia, e assim iniciou-se a tradição familiar, sempre orientada por disciplina, respeito e religiosidade. Conta ainda que nas origens, a Santa (N.S. do Rosário) aparecia dentro de uma gruta, onde os rezadores e cantadores começaram a fazer adoração, rezas e cantorias religiosas. Um certo dia porém, chegou aos pés da Santa o Congo chamado Terno de Moçambique, ao qual a Santa acompanhou, seguiu em procissão.  O Congo de Moçambique, diz Seu Julio, realizou inovações, como o uso de instrumentos, e o fato da Santa tê-lo seguido colocou este Congo em alto conceito dentro desta Tradição. É justamente a continuidade deste Congo que o Capitão Júlio representa, com o apito e o bastão, no comando de seus congueiros, que cantam louvações a São Benedito, São Jorge, Santo Antônio e Santa Bárbara, entre outros, tendo Nossa Senhora do Rosário como padroeira principal. Dentro da Tradição, elege-se uma Rainha e um Rei do Congo, que são geralmente pessoas de respeito, experiência, pureza e vida correta. Diz ainda Seu Júlio, que a essência do Congo e o motivo de sua existência é a religiosidade, a devoção, a busca da disciplina e da retidão, que o Capitão tem o dever de observar e conduzir a todos. Embora toda a dificuldade que encontrou no caminho, relata, alegra-se e louva a Deus hoje por ter vencido, e estar se libertando através da Tradição que representa e mantém. Demonstra preocupação com a exibição de congadas e folias apenas pela aparência, sem estarem vinculados a uma raiz forte, que segundo ele, tem o elemento religioso como fundamento. Seu Júlio então prepara-se para a Saudação de Chegada, ritual seguido em todos os lugares em que o Congo se apresenta, que consiste em dirigir o Congo ao Cruzeiro, à igreja ou lugar de devoção da cidade, para fazer a louvação. É um sinal de respeito e amizade. Convoca os congueiros à formação, e passados alguns minutos todos estão prontos: de branco, a camiseta com a imagem de São Benedito, instalam as “campanhas” – instrumentos de percussão que amarram às pernas, mais os tambores e os “patangomes”, instrumentos semelhantes a ganzás, que consistem de chumbos dentro de uma estrutura de metal. Os instrumentos são de fabricação própria, e a equipe é formada por famílias, que passam esta cultura de geração a geração. Há congueiros de 14 a 65 anos. Primeiro, realizam a oração, pedindo a Deus e aos Santos proteção na jornada do Congo: “Boca de cão lobo, para nós será fechada... Quem tem perna não me alcance... Quem tem olhos não me veja” e o apito do Capitão inicia a marcação do ritmo. Ao comando do Capitão, os congueiros respondem em coros engajados, enquanto variam entre ritmo e cantoria, vibrando as “campanhas” amarradas às pernas em passos semelhante à catira ou ao sapateado. Ademais, Seu Júlio preserva uma Tradição bastante única nos nossos dias, aplicando em sua cantoria a língua da Costa Africana, cujo uso remonta aos tempos da escravatura. Esses elementos vêm a compor um cenário respeitoso, de fino trato, onde se mesclam a música, a poesia, a religião e a disciplina, numa atividade onde facilmente se vê a pureza, a devoção, e o cultivo de intenções de paz e de arte. Seu Júlio descreveu ainda aparições do negro Timóteo, que figura já como lenda na história das origens do Terno de Moçambique, e contou que para participar do Congo tem que ter o dom, um dom que habita no Encanto de partir via música, cantoria e magia, para dentro do Reino da Congada. O amor confesso de Seu Júlio ao trabalho que desenvolve nos permite derivar riquezas que talvez seja o motivo de sua arte. A alegria, a dança e a cantoria, em meio ao ambiente respeitoso criado pelo Congo, nos deixa inspirados a muitas coisas, e pelo que parece, cada um colherá do Congo de Perdões um pouco de sua Harmonia.

Texto de Cassiano Veronese(25/07/2005) publicado em:
http://www.encontrodeculturas.com.br/2011/noticia/116

Abaixo um vídeo disponível no youtube de Sidney Melodia:







http://youtu.be/PdNfDlvfsuk

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